Por José Carlos Aleluia
Da minha casa na Ladeira do Paiva, na Caixa D’Água, ao ICEIA, no Barbalho, onde estudei, chegava-se a pé em 20 minutos. Era comum eu fazer este caminho mais de uma vez no dia. Naquela época, o instituto oferecia atividades em tempo integral e eu, entusiasta do futebol e do basquete, costumava voltar após almoçar em casa.
Quando adolescente, também gastei muita sola frequentando o Cine Jandaia e o PAX, na Baixa dos Sapateiros (assistindo Norma Bengell!), indo às festas de largo, comendo sarapatel no Pau Miúdo e batendo baba na Barra com meu primo Adelmo. Mais tarde, chacoalhava em dois ônibus até a Federação, onde cursava Engenharia Elétrica na Politécnica, fazendo dos bancos dos coletivos a minha sala de estudos. Cresci, amadureci e me formei pelas ruas e ladeiras de Salvador.
Ao comemorarmos os 470 anos da Cidade da Baía, proponho uma reflexão sobre a importância de viver a cidade. Se os acertos dos últimos anos estão proporcionando uma retomada da auto-estima e da valorização da nossa capital, qual será o papel da sociedade em ocupá-la? Não deveríamos aproveitar esta primavera soteropolitana para pensarmos no que podemos ser enquanto comunidade?
Temos por vocação o destino de ser vanguarda na construção de uma identidade própria. Salvador, em sua heterogeneidade urbana, social e cultural, é única. Como retomar as ruas, praças e bairros criando os laços comunitários que um dia foram desatados por um progressismo que relativizou valores, atacou nossa moral familiar e adotou um apaziguamento no combate ao crime?
Viver a cidade é enxergar o espaço comum, a vivência coletiva, é reconhecer o outro. Construir o sentimento de comunidade ajuda a mediar conflitos, cria uma noção de pertencimento e afasta o crime de nossas ruas. Precisamos nos engajar, propor e também reconhecer exemplos bem sucedidos que existem aqui mesmo. Já ouviram falar na Comunidade Guerreira Zeferina?
A transformação da antiga Cidade de Plástico, no Subúrbio Ferroviário, é uma lição do poder transformador da política habitacional, quando se resgata não só o direito à moradia digna, mas também a auto-estima e a valorização do espaço comunitário. Moradia popular em cartão postal à beira-mar, com dignidade, lazer e qualidade de vida a seus moradores. Um golaço da Prefeitura que resgata o valor da comunidade.
Quando morei na Ladeira do Paiva, minha casa ficava na chácara de meu avô. Meus tios também construíram sobrados por lá. Casei com uma vizinha, minha amada esposa Maria Luiza. Meu grande amigo Camalibe, com quem converso e brigo até hoje, morava a algumas casas descendo a rua. Laços comunitários que seguem atados à minha vida. Uma história de Salvador como tantas outras. Em seus 470 anos, que esta cidade continue a ser esta terra de encontros.
Artigo originalmente no jornal A Tarde do dia 02/04/2019